— “Tive um BB”.
— Que lindo, parabéns! Como se chama?
— Baby Burnout.
Esse diálogo foi real. Ouvi sendo contado num evento que participei na última semana.
E confesso: fiquei incrédula.
Incrédula não por julgamento, mas por reconhecer — com um nó na garganta e uma preocupação absurda — o quanto a gente normalizou o esgotamento. Estamos vivendo uma crise de saúde mental, se deu conta disso?
O “rs” ou "hahaha” no final da frase anda escondendo noites sem dormir, falta de concentração, baixíssima produtividade e um corpo que só precisa parar.
Você só recarrega seu celular quando ele descarrega?
Provavelmente não.
Você coloca no carregador quando a bateria está pela metade, quando vai sair e precisa garantir energia, quando sabe que o dia vai ser puxado. Então por que tem vivido perigosamente no modo “bateria fraca”, a um passo de apagar?
Os números não mentem.
Em uma década, os afastamentos por burnout cresceram quase 1.000%, segundo dados do INSS divulgados pela BBC.
Uma explosão silenciosa — que vai tomando conta aos poucos: na falta de ar, na memória que falha, no cansaço que não passa, no corpo que simplesmente não responde mais.
E mesmo com um dado tão alarmante, a gente segue disfarçando com humor.
Talvez porque levar a sério signifique encarar de frente.
A gente faz meme do que machuca — porque é mais fácil rir do que parar.
Mais confortável fingir leveza do que admitir exaustão.
Mais socialmente aceitável fazer piada do que dizer: eu tô no meu limite.
Só que o corpo sente. E cobra. Cobra alto. Com juros.
Esses dias, conversando com meu noivo, cheguei a uma conclusão que ficou martelando em mim: hoje, mais do que nunca, a saúde mental está em risco — não apenas pelo acúmulo de tarefas ou pela sobrecarga que já conhecemos, mas também pelo excesso de comparação silenciosa que a internet alimenta todos os dias.
Se, por um lado, a tecnologia nos aproximou, ampliou possibilidades, encurtou distâncias e democratizou o acesso à informação, por outro, escancarou uma vitrine constante da vida alheia — muitas vezes editada, filtrada e performada. E a gente, mesmo sem perceber, vai se deixando contaminar por essa narrativa enviesada de sucesso instantâneo, produtividade ininterrupta e felicidade constante.
A cada rolagem de tela, uma sensação de que não estamos fazendo o suficiente. Alguém já lançou um novo produto, já bateu meta, já publicou conteúdo, já respondeu os directs, já fechou com mais um cliente — enquanto você ainda está tentando se organizar para começar o dia, com mil abas abertas na mente e no navegador.
É um excesso de estímulo externo que nos desconecta do que realmente importa: a nossa verdade, o nosso ritmo, a nossa saúde - observando o nosso contexto. E nesse processo sutil de comparação, vamos ignorando os sinais do corpo, sufocando emoções, adiando pausas e nos cobrando por não estar rendendo mais — como se a vida fosse uma eterna planilha de produtividade a ser preenchida.
A gente aprendeu a disfarçar o cansaço com um “tá tudo bem” automático, com uma legenda inspiradora ou com uma ironia engraçada. Já pensou se a gente dissesse a verdade para todo mundo que nos manda um “Oi, tudo bem?".
Mas a verdade é que saúde mental não é tendência, não pode ser tratada com luxo e como prêmio. É base. É o chão que sustenta todos os outros pilares da nossa vida — inclusive o negócio.
E se, por um lado, quem compartilha conteúdo tem — ou deveria ter — responsabilidade sobre o que partilha, quem consome também precisa assumir a responsabilidade pela forma como lida com o que vê.
Porque, falando por mim, por mais cuidado, intenção e responsabilidade que eu tenha como produtora de conteúdo, não tenho — e nunca terei — controle sobre como aquilo será interpretado, sentido ou comparado por quem recebe.
E é aí que mora um ponto sensível: a nossa relação com o conteúdo dos outros precisa ser mediada por autopercepção. Porque o que pode ser inspiração pra uma, pode virar cobrança pra outra. O que era pra ser um exemplo de possibilidade, pode ser lido como mais uma régua impossível de alcançar.
Não dá pra seguir consumindo sem filtrar, sem questionar, sem voltar pra dentro.
Não dá pra esperar que o feed seja responsável por cuidar da nossa saúde emocional.
E não dá pra terceirizar os limites do que entra ou permanece na nossa mente.
E quando a gente fala de mulheres empreendedoras, a situação ganha contornos ainda mais delicados — porque mesmo aquelas que contribuem para o INSS e, em tese, teriam direito ao afastamento, muitas vezes não conseguem sequer cogitar essa possibilidade.
Porque o negócio depende inteiramente delas.
Porque não há equipe, estrutura ou reserva que sustente a pausa.
Porque se elas param, tudo para junto.
Porque não têm caixa, nem rede, nem fôlego pra parar.
E isso, por si só, já é um alerta.
Você criou um negócio pra ter liberdade — e não para ter o pior emprego da sua vida, mal remunerado e sem direitos trabalhistas.
Mas se hoje ele te impede de adoecer, de descansar, de simplesmente respirar, talvez não seja só uma questão de esforço. Talvez seja hora de reestruturar a lógica que sustenta (ou esgota) a sua entrega.
Porque isso não é saudável. E tampouco sustentável.
Cuidar da saúde não é só autocuidado com vela aromática ou massagem no fim do mês. Cuidar da saúde é cuidar do negócio também. É construir uma base financeira que te permita respirar. É criar previsibilidade para não depender do último esforço. É organizar o fluxo de caixa para ter um orçamento familiar digno.
Porque saúde não pode ser negociável.
É o que te mantém vivendo, não apenas sobrevivendo.
Saude física, mental, espiritual, financeira.
Todas elas importam.
Todas estão conectadas.
Não dá pra falar de propósito se o corpo está gritando por pausa.
Não dá pra manter um negócio de pé se quem o sustenta está à beira do colapso.
Não dá pra sonhar em transbordar se você está constantemente vazia.
Você pode, sim, ser protagonista sem precisar se sacrificar.
Pode, sim, ser referência sem se apagar no processo.
Pode, sim, crescer com consistência — mas não precisa carregar o mundo sozinha.
E se você ainda acredita que esse é o único caminho…
Eu te pergunto: vai esperar quebrar pra, enfim, parar?
Com carinho e cuidado,
Bruna